Coleção Ares N.º 29 - Estudos Estratégicos das Crises e dos Conflitos Armados

Editorial

Esta publicação da Coleção ARES, promovida pela Área de Estudo das Crises e dos Conflitos Armados, é a quinta edição dedicada aos Estudos Estratégicos, contribuindo, desta forma, para um fortalecimento do conhecimento e para a consolidação de uma tradição nesta área, a que se associa o Curso de Estado-Maior Conjunto.
Os Estudos Estratégicos tiveram na Guerra Fria a sua idade de ouro. Foi um período que desafiou as entidades políticas, a comunidade académica e os militares, entre outros, a procurarem soluções na estratégia enquanto ciência. E porquê? Porque o surgimento das armas nucleares condicionou a política, nomeadamente a possibilidade de esta poder ser continuada por outros meios, ou seja, na forma de guerra. 
Neste quadro, o principal objetivo dos Estudos Estratégicos é ajudar o Estado a sobreviver numa sociedade internacional anárquica, usando os meios ao dispor e, se necessário, a violência. Os Estudos Estratégicos têm uma natureza multidimensional de que resulta uma consciência clara de que a aplicação do instrumento militar está diretamente conectada com outros pilares, como o económico, o tecnológico, o organizacional, o informacional e o societal. Para este fim, o ponto focal dos Estudos Estratégicos recai no tratamento da estratégia como ciência. A ciência tornou-se, por isso, num imperativo, que passou a coexistir com a arte, as duas dimensões concetuais da estratégia. Ora, se não há guerra sem estratégia, logo, não há guerra sem ciência e arte. 
Vegetius dizia “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Para isso, há que olhar para o ambiente estratégico. Hoje, em pleno Século XXI, confrontamo-nos com uma realidade ímpar, mais complexa, mais ambígua, mais incerta e com grande impacto no quadro de conflitualidade. Numa Era de pós-verdade e de modernidade líquida, o terrorismo ressurgiu sob novas formas, o “eixo de rotação” do Sistema Internacional desviou-se da Europa, novas potências (res)surgiram desafiando a superpotência, a nuclearização horizontal aumentou, tal como o número de Estados frágeis, os investimentos em armamento, e na defesa em geral, dispararam, novos conflitos surgiram sem uma perspetiva de fim e com estes, milhões de refugiados. Mas não só! Assistimos hoje a outros tipos de ameaças, que, não só passaram a constituir-se como um denominador comum do ambiente estratégico, como podem colocar em causa a sobrevivência da humanidade. São disso exemplo, as alterações climáticas e a inteligência artificial, conjuntamente com a proliferação nuclear. O Século XXI trouxe-nos também uma ampliação do “léxico da guerra e dos seus derivados”. Frequentemente, ouvimos falar de guerra híbrida, de terrorismo, de subversão, de insurgência, de guerras por procuração (proxy wars), de guerras sujas, de ciberguerra, de deterrence, de assurance measures, de “nova Guerra Fria” e de “novas guerras”, entre outras referências. 
Perante tal realidade, torna-se inevitável uma reflexão acerca do papel do instrumento militar no mundo contemporâneo. O tempo é, portanto, da estratégia! É à estratégia que cabe estabelecer a ponte entre os meios militares e os fins definidos pela política. É também à estratégia, no seu desenvolvimento, que cabe confrontar, e continuar a validar, a matriz de referência, corporizada pela trindade clausewitziana. Sem reflexão, sem debate, sem confronto de ideias e de realidades, bem como sem perspetivas multidisciplinares, não se prevê, não se produz conhecimento, não se evolui. 
Em 1936, Ludendorff escrevia, em “The Nation at War”, que o “Estado-Maior deve ser composto pelos Homens certos, pelos melhores Homens e mais inteligentes, eficientes no domínio da guerra - na terra, no mar e no ar, na propaganda, nas técnicas de guerra, na economia e na política”. Transportando esta observação para os dias de hoje, vemos que os domínios são mais, pela adição do espaço e ciberespaço. Porém, a alusão a outros instrumentos, como o político e o económico, evidencia a interdependência complexa em que se situam, quer o estudo, quer a aplicação do instrumento militar. 
É neste contexto que são apresentados nove estudos individuais de ex-discentes do Curso de Estado-Maior Conjunto 2017-18, que versam sobre o estudo da estratégia. Esperamos que esta publicação contribua para um enriquecimento do leitor numa área de conhecimento essencial para as Ciências Militares.

Pedrouços, 20 de maio de 2019.

Manuel Fernando Rafael Martins
Comandante do IUM

Artigos

O aquecimento global e a mudança do paradigma geopolítico atual

Resumo

Este trabalho tem como objeto de estudo as dinâmicas geopolíticas associadas ao aquecimento global e será delimitado no seu conteúdo à análise geopolítica dos fluxos migratórios, crises económicas, desastres naturais e interesses de grandes potências. A fim de cumprir este objetivo, optou-se por dividir o problema em duas partes, que consistem em identificar as tendências e instabilidade das dinâmicas geopolíticas associadas a estes quatro fenómenos, e nas implicações desses fenómenos na Segurança e na Defesa dos países. Recorreu-se a uma metodologia baseada no método dedutivo, enquadrada pela técnica de recolha de dados “documental”, consultando fontes primárias e secundárias, na sua maioria, em documentação disponível na internet. Conclui-se que as consequências das dinâmicas geopolíticas decorrentes do aquecimento global traduzirão um aumento generalizado do conflito ao nível global, devido à insuficiência de meios de Segurança e Defesa para fazer face às solicitações dos países e das Organizações Internacionais.

Palavras-chave

Aquecimento global, fluxos migratórios, desastres naturais, crises económicas, Segurança e Defesa.

Autor(es) (*)

Avatar Emanuel Alves de Sousa
 504 | 250
O pensamento estratégico brasileiro e a defesa nacional

Resumo

O mundo atual, difuso e imprevisível, requer elaboradas estratégias dos diferentes atores internacionais, visando a persecução de seus mais caros objetivos nacionais. Nesse contexto, insere-se o Brasil, país em desenvolvimento e que, devido à sua estatura político-estratégica, vê como fundamental possuir um pensamento estratégico sólido, orientado por seus interesses e alicerçado em uma visão pragmática do contexto internacional. Assim, este ensaio aborda o Pensamento Estratégico brasileiro e a Defesa Nacional, sendo objetivo caracterizar o pensamento estratégico do gigante sul-americano. Para tanto, por meio de uma metodologia qualitativa, buscou-se identificar a existência do pensamento estratégico brasileiro, por meio de conceitos autenticamente nacionais, que farão o enquadramento do tema; analisar os seus principais documentos estruturantes e caracterizar as implicações do pensamento estratégico nos cenários de interesse do Brasil. Concluiu-se que o Pensamento Estratégico brasileiro, voltado para a Defesa Nacional, está assente em bases sólidas e aponta a direção a ser seguida para que o Brasil alcance os seus mais importantes objetivos.

Palavras-chave

Brasil, Pensamento Estratégico, Defesa Nacional.

Autor(es) (*)

Avatar Luís António de Almeida Júnior
 517 | 239
Combate às ações terroristas após a "queda" do Daesh

Resumo

Daesh é a mais violenta organização terrorista que o mundo já viu. Nascida da Al-Qaeda no Iraque (AQI), a sua estratégia focalizava-se em conquistar território para aumentar o califado. Através da exploração das diferenças sectárias existentes no Iraque, e tirando proveito da guerra civil na Síria, tomou posse dos campos de petróleo que, junto com outras formas de financiamento ilícito, lhe permitiu proclamar o Estado Islâmico. Após três anos de combates, a Coligação Internacional por um lado, e o eixo Sírio, Russo e Iraniano por outro, têm quase acabado com as aspirações territoriais na Síria e no Iraque do Daesh, levantando a importante questão sobre quais as consequências para a segurança regional, internacional e da União Europeia desta suposta “queda”. Uma análise prospetiva do futuro da organização, assim como a resiliência mostrada pelo grupo no passado no período do despertar sunita, na sua versão de AQI, mostram que os complexos jogos de poder das potências internacionais e regionais, as diferenças sectárias e a falta de oportunidades para a população são os principais desafios para a sua derrota definitiva; sendo os combatentes estrangeiros, os seus grupos afiliados, e os ataques terroristas inspirados ou dirigidos, as maiores ameaças para o mundo atualmente.

Palavras-chave

Terrorismo, Daesh, combatentes estrangeiros, Síria, Iraque

Autor(es) (*)

Avatar Juan Manuel Ramos Santamaría
 482 | 234
Clausewitz e as guerras de Quarta Geração

Resumo

O advento de uma nova conceptualização de Guerra constitui uma oportunidade de revisitar Clausewitz. O debate teórico sobre a temática da Polemologia e da Estratégia é crucial para os Estudos Estratégicos na medida em que a adoção de uma linha de pensamento poderá ter implicações práticas na aplicação do instrumento militar. Neste sentido, a presente investigação centra-se na Teoria das Guerras de Quarta Geração, pretendendo-se analisar o seu quadro conceptual, tendo como referência Clausewitz, na perspetiva de compreender qual o impacto na aplicação do instrumento militar. Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se uma metodologia qualitativa, baseada num raciocínio dedutivo, com recurso à análise documental, através da utilização de um desenho de pesquisa comparativo. Com esta conjuntura, orientou-se a análise nas implicações ao instrumento militar, resultando em contributos conceptuais e estruturais. Decorrente da análise efetuada, conclui-se que mantendo a atualidade do conceito de Guerra de Clausewitz, são possíveis novas abordagens que nos permitam entender a tipologia de Guerra que enfrentamos, de forma a melhor ajustar o instrumento militar ao ambiente estratégico e às novas ameaças.

Palavras-chave

Guerra, Guerras de Quarta Geração, Clausewitz.

Autor(es) (*)

 480 | 232
A aliança energética entre a Rússia e a Alemanha

Resumo

A dependência energética da União Europeia é quase total para com a Federação Russa, o que, sem outra fonte capaz de garantir a quantidade de gás que consome, torna inevitável que a Europa reforce a sua relação com a Rússia, trazendo-a para o seio das instituições europeias, para assim garantir a sua segurança energética. A Alemanha, numa Europa a 28, para além de ter assegurado uma fonte energética segura e economicamente suportável, com a ajuda russa, pode transformar-se no centro energético europeu, controlando o fluxo do gás fornecido à Europa ocidental, aumentando assim radicalmente o seu poder. A concretização do projeto do gasoduto Nord Stream 2 é o maior símbolo desta boa relação bilateral com a Rússia. Por seu turno, a Rússia de Putin utiliza a sua posição no mercado energético, aliada aos seus vastos recursos, para alavancar a sua política de indústria das armas e tem desenvolvido esforços para desviar o trânsito do gás russo dos países ex-URSS, para controlar a passagem do gás nesses países e facilitando-lhe o uso da energia como arma de arremesso para com estes, sem afetar o fornecimento à Europa.

Palavras-chave

Dependência energética, Segurança Energética, União Europeia, Rússia, Alemanha.

Autor(es) (*)

Avatar Luís Miguel Gomes Ferreira
 479 | 239
A questão energética. A relação Europa-Ásia

Resumo

Numa altura em que a energia e as questões climatéricas estão na agenda do dia, importa entender como se relacionam a União Europeia, no papel de um dos maiores consumidores energéticos mundiais, e os seus principais fornecedores asiáticos, a Rússia, o Médio Oriente e a Região do Cáspio e de que forma o vetor militar pode contribuir para melhorar esta relação. Este trabalho teve assim como principal objetivo compreender a importância do vetor militar na questão energética e na relação entre a Europa e a Ásia. Para isso utilizou-se uma metodologia de análise qualitativa assente num raciocínio dedutivo, delimitando o estudo à União Europeia e às suas três principais regiões fornecedoras de energia asiáticas, a Rússia, o Médio Oriente e a Região do Cáspio. Da investigação conclui-se que, relativamente às ameaças energéticas identificadas, o vetor militar pode contribuir para a prossecução dos interesses políticos dos Estados membros da União Europeia, nomeadamente através de Cooperações Técnico Militares, exercícios militares, formação, combate ao terrorismo e segurança de infraestruturas energéticas.

Palavras-chave

Segurança Energética, Energia, União Energética Europeia

Autor(es) (*)

Avatar Tiago Miguel Marques Vilela da Costa
 502 | 250
A defesa da Europa: As ambições da França e da Alemanha

Resumo

A desestabilização do ambiente geopolítico da União Europeia, o Brexit e a política de Trump impulsionaram a publicação da Estratégia Global da União Europeia sobre Política Externa e de Segurança, em 2016, e a convergência dos governos da França e da Alemanha numa liderança estratégica, em prol da segurança e defesa europeias. Neste sentido, o objetivo do presente trabalho é analisar as consequências estratégicas que se colocam a Portugal, num quadro de uma defesa europeia guiada pelas ambições da França e da Alemanha. Para tal, analisam-se as ambições franco-alemãs, que resultaram na ativação da Cooperação Estruturada Permanente, entre outros mecanismos, e a posição portuguesa face às mesmas. Posteriormente, identificam-se as oportunidades e ameaças à estratégia militar de Portugal. Conclui-se que as consequências estratégicas que se colocam a Portugal, num quadro de uma defesa europeia guiada pelas ambições franco-alemãs, são um investimento significativo na estratégia militar. No entanto, conclui-se também que o refortalecimento do European Corps é uma clara ameaça à estratégia militar portuguesa, onde Portugal passaria a ser irrelevante para a segurança e defesa europeias, refletindo-se ao nível da Organização do Tratado Atlântico Norte.

Palavras-chave

Alemanha, Cooperação Estruturada Permanente, Defesa da Europa, Estratégia Militar, França, Portugal

Autor(es) (*)

Avatar Susana Margarida Gomes Pinto
 474 | 236
O GRIN Tech e os riscos e desafios securitários para os Estados

Resumo

O desenvolvimento tecnológico, assente numa perspetiva das tecnologias GRIN (Genética, Robótica, Informação e Nanotecnologia), constitui-se tanto como uma fonte de oportunidades, como de ameaças. Nesse sentido, através de um raciocínio dedutivo, apoiado numa estratégia qualitativa, constatou-se que o exponencial desenvolvimento tecnológico enquadra desafios ao nível das organizações. A multiplicidade de oportunidades e ameaças, conjugado com uma mudança acelerada da sociedade são claros desafios a ultrapassar. Por outro lado, o elevado risco associado à disseminação da tecnologia, num ambiente operacional difuso e globalisado, pode ser um fator desestabilizador e uma ferramenta de dispersão de terror. Cada vez menos, nas sociedades futuristas, existe tempo para emendar decisões passadas. As capacidades divinas, da criação e destruição, cada vez mais ao dispor do Homem, necessitam de atenta ponderação e debate. O futuro começa hoje.

Palavras-chave

Tecnologias GRIN, Nanotecnologia, Robótica, Tecnologias da Informação, Nanotecnologia

Autor(es) (*)

Avatar Vitor Manuel Roxo Vicente Custódio
 497 | 251
A Sexta Geração dos conflitos - A Inteligência Artificial Autónoma na guerra

Resumo

O presente estudo visa analisar as tendências de evolução da inteligência artificial autónoma aplicada aos conflitos. Assumindo que a inteligência artificial fará parte da realidade futura, e que a mesma trará desafios de diversa ordem, designadamente ao nível tecnológico, social, legal e ético, o estudo parte do argumento de que a sua aplicação nos conflitos será uma realidade. Contudo, apesar dos desafios subjacentes à sua introdução no campo de batalha, as operações militares tenderão a desenrolar-se de forma autónoma. Para as forças, as tendências apontam para a uma necessidade de adaptação a um processo de planeamento mais rápido, enquanto os mesmos tenderão a adaptar-se a novas doutrinas, formação e treino, decorrente da otimização dos recursos logísticos e aumento da letalidade. O estudo permitiu concluir que, a tendência de evolução da inteligência artificial autónoma como produto tecnológico aplicado aos conflitos, será caracterizada por (i) aumento da velocidade de planeamento, (ii) aumento da capacidade de análise e resposta autónoma, (ii) desenvolvimento de operações de forma autónoma e em simultâneo com humanos, (iii) aumento da letalidade discricionária, (iv) atuação sincronizada multi-domínio, (v)
melhoria na otimização de recursos, e (vi) aumento do potencial de combate.

Palavras-chave

Inteligência Artificial, Conflito, 6.ª Geração.

Autor(es) (*)

Avatar Hélder Fernando Ramos do Amaral Parcelas
 485 | 238

(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.