Revista de Ciências Militares - Vol. XI, N.º 1

Editorial

A edição do 21.º número da Revista de Ciências Militares (RCM), e da correspondente versão em inglês, Portuguese Journal of Military Sciences, mantém o firme propósito do Instituto Universitário Militar (IUM) em divulgar a investigação sobre temas atuais e de vasto interesse académico na área das Ciências Militares, de investigadores nacionais e estrangeiros. É um produto que se insere na finalidade da sua nobre missão de formar oficiais e sargentos dos quadros, mas também se abre no apoio à comunidade científica e com a qualidade, o rigor científico e o pensamento crítico da investigação e do ensino desenvolvidos no IUM, no âmbito das Ciências Militares. 

O IUM tem promovido entre os seus docentes e investigadores a publicação noutras revistas e tem vindo a merecer citações em alguns desses artigos e fomentou também o acolhimento de autores externos ao IUM, vendo já coroado este esforço com uma publicação nesta edição. 

No presente número apresentam-se trabalhos de investigação que percorrem quatro das cinco áreas de estudo das Ciências Militares, com exceção das Operações Militares, área que tem sido visada na investigação, mas em que a transição e a surpresa nas formas de fazer a guerra, no atual ambiente geoestratégico, têm desafiado os investigadores e a maturidade da investigação a publicar.

Levamos agora à estampa cinco artigos, selecionados pelo seu valor científico, contemporaneidade, precisão metodológica e relevância para as Ciências Militares, que ditaram a sua publicação. A qualidade destes artigos é avalizada pelo exigente processo de análise, primeiramente pela Direção Editorial da revista e, numa segunda fase, por, pelo menos, dois “revisores” externos (peer review) em regime de duplo anonimato (double-blind), garantindo total transparência, imparcialidade e justiça no método de seleção.

O primeiro artigo, enquadrado na área de estudo do Comportamento Humano em Contexto Militar, com o tema “O papel do mentor na relação entre o comprometimento e a perceção de apoio organizacional nos médicos militares da Força Aérea Portuguesa, e o seu efeito sobre o turnover” aborda a gestão de efetivos das Forças Armadas portuguesas face a impactos do deficit de recrutamento, o aumento do turnover e a crescente dificuldade de retenção de militares nas fileiras.

O segundo artigo, ligado ao estudo das crises e dos conflitos armados, traz-nos o tema “O contributo da dimensão militar para a prossecução do poder de Portugal nas relações internacionais” numa conjuntura internacional em sobressalto, num período de revisão do edifício concetual da Defesa Nacional, em que é pertinente nas lógicas justificativas estudar o contributo, na relevância para os interesses nacionais, do emprego da dimensão militar, no quadro das relações internacionais. 

O terceiro artigo, também inserido no estudo das crises e dos conflitos armados, aborda o tema “O combate à pirataria marítima no Golfo da Guiné: aplicação de medidas implementadas no corno de África” partindo do sucesso do emprego da dimensão militar, conjugada com normas policiais e de controlo a vários níveis das relações internacionais, visa analisar a área ocidental da África, onde este flagelo, com algumas metamorfoses, se procura instalar. 

O quarto artigo, da área do estudo das técnicas e tecnologias militares, estuda o tema “Dilemas de representação num estudo sobre sistemas de armas autónomos – A perspetiva de um grupo de discussão”, debatendo a introdução da Inteligência Artificial nos sistemas de armas autónomos, procurando a compreensão das perceções da opinião pública e a sua relevância para a decisão política e sua implementação.

O quinto artigo, que se integra no estudo da segurança interna e fenómenos criminais, trata o tema “Cidadania e segurança: contributos para uma estratégia nacional de segurança de proximidade”, onde uma ideia de maior partilha pública nos programas, com reforço da participação cidadã na coprodução da segurança a nível local, pode trazer mais eficácia e êxito junto da comunidade. 

Congratulo os autores e endereço votos de uma profícua leitura à audiência da nossa Revista, sendo que esta, em especial, terá um público diferente do habitual, no norte da Europa. 

 

Tenente-general António Martins Pereira 

Comandante do IUM

Artigos

O Papel do Mentor na Relação entre o Comprometimento e a Perceção de Apoio Organizacional nos Médicos Militares da Força Aérea Portuguesa, e o seu Efeito sobre o Turnover

Resumo

As alterações sociais, demográficas, políticas e económicas do novo milénio, refletiram- -se, entre outras consequências, na dificuldade em gerir os efetivos das Forças Armadas portuguesas, por diminuição do recrutamento, aumento do turnover e crescente dificuldade de retenção. Esta realidade, transversal a vários países NATO, torna-se especialmente grave num efetivo de militares altamente treinados e especializados, como são os oficiais médicos da Força Aérea, que, quando abandonam voluntariamente a organização, acarretam incalculáveis perdas, tanto ao nível do saber, especialização e qualificação, como ao nível das taxas de prontidão e/ou gastos financeiros. Esta investigação, ancorada num raciocínio hipotético-dedutivo, associado a uma estratégia de investigação mista e a um desenho de pesquisa de estudo de caso, teve por objetivo, com recurso a uma amostra de 60 médicos militares da Força Aérea portuguesa (88,3% do universo), primeiramente, avaliar a relação entre o comprometimento organizacional e a perceção de apoio organizacional e o papel do mentor nesta relação, e, num segundo momento, o papel da mentoria, associado à referida relação, sobre o turnover. Dos resultados, comprovou-se a predominância da dimensão afetiva do comprometimento organizacional, uma baixa perceção de apoio organizacional, e a existência de relação entre a perceção de apoio organizacional e o comprometimento organizacional, relação esta onde se verificou ser relevante a existência de um mentor. As evidências permitiram também concluir que a mentoria, associada à supradita relação, concorre para uma diminuição do turnover destes high value assets, e, neste âmbito, foi desenhado um modelo para um programa de mentoria formal.

Palavras-chave

Comprometimento Organizacional; Perceção de Apoio Organizacional; Turnover; Modelo/Programa de Mentoria; Forças Armadas; Médicos Militares.

Autor(es) (*)

Avatar Cristina Paula de Almeida Fachada
Avatar Maria Inês Monteiro Godinho de Matos Loureiro
Avatar Nuno Alberto Rodrigues Santos Loureiro
 396 | 90
O Contributo da Dimensão Militar para a Prossecução do Poder de Portugal nas Relações Internacionais

Resumo

Numa altura em que a conjuntura internacional sofre um significativo sobressalto e na lógica justificativa de uma possível revisão do edifício concetual da Defesa Nacional, iniciada pelo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, é pertinente estudar o contributo das Forças Armadas para a prossecução dos interesses nacionais na “arena” internacional. Neste sentido, esta investigação tem por objetivo especificar contributos para o emprego da dimensão militar na promoção do poder de Portugal, no quadro das relações internacionais que se avizinham, a médio e longo prazo. Para o efeito utilizou-se uma metodologia de raciocínio indutivo, assente numa estratégia qualitativa e num desenho de pesquisa de estudo de caso, recorrendo-se à análise documental e a entrevistas a entidades relevantes no domínio do estudo. Os resultados obtidos confirmaram a importância das Forças Armadas na afirmação e credibilidade externa de Portugal, assim como o estatuto de Estado coprodutor de segurança internacional, que granjeia, concluindo-se pela necessidade de manter e desenvolver forças de natureza ágil, com capacidades técnicas e equipamentos adequados, que permitam ao país continuar a desempenhar um papel ativo, não só em operações militares correntes, como também em operações de apoio humanitário e em desastres naturais.

Palavras-chave

Cooperação no Domínio da Defesa; Forças Nacionais Destacadas; Dimensão Militar; Poder de Portugal.

Autor(es) (*)

Avatar Carlos Manuel Mendes Dias
Avatar Raul Fernando Rodrigues Cabral Gomes
 354 | 87
O Combate à Pirataria Marítima no Golfo da Guiné: Aplicação de Medidas Implementadas no Corno de África

Resumo

A pirataria marítima ganhou relevância nos últimos anos do século passado em diferentes regiões do globo. O século XXI assistiu a um recrudescimento do fenómeno no Corno de África, guindando-o à posição de principal hotspot entre 2008 e 2011, com cerca de 75% dos incidentes registados globalmente. O empenhamento do instrumento militar em operações de segurança marítima permitiu controlar a pirataria naquela região a partir de 2013. Em 2014 não foi concretizado qualquer ataque e assistiu-se, depois disso, à estabilização do fenómeno em níveis residuais. Nos anos mais recentes, o Golfo da Guiné tem vindo a assumir-se como um dos mais relevantes (e perigosos) hotspots da pirataria mundial. Todavia, a resposta da comunidade internacional tem ficado aquém do que seria expectável (e desejável). Os resultados mostram que o fenómeno está longe de ficar controlado. O presente estudo avalia, a partir da utilização do método prospetivo Delphi, se (e de que forma) pode o modelo de emprego do instrumento militar na região do Corno de África no combate à pirataria marítima ser aplicado no Golfo da Guiné. As conclusões evidenciam que algumas das medidas implementadas no Corno de África podem, de facto, ter aplicação no Golfo da Guiné.

Palavras-chave

Pirataria marítima; Corno de África; Golfo da Guiné; instrumento militar.

Autor(es) (*)

Avatar António Manuel Gonçalves Alexandre
 356 | 101
Dilemas de Representação num Estudo sobre Sistemas de Armas Autónomos. A Perspetiva de um Grupo de Discussão

Resumo

As Forças Armadas de vários países têm vindo a investir no desenvolvimento e integração de tecnologia controlada por inteligência artificial (IA) com o objetivo de obter superioridade militar. No entanto, apesar dos benefícios, se o papel essencial da comunicação pública não for reconhecido, corre se o risco de introduzir desequilíbrios no centro de gravidade moral da instituição militar. É imperativo compreender as opiniões e preocupações dos cidadãos em relação aos sistemas de armamento autónomos (SAA) para que estas possam orientar as decisões políticas relacionadas com a sua implementação. Este artigo relata as conclusões de um estudo que analisou as perceções e atitudes de seis grupos de discussão (n=53) relativamente ao desenvolvimento de SAA. O estudo revelou que os sistemas controlados por IA devem ser considerados instrumentos de tomada de decisão. Porém, as decisões relativas a questões de vida ou morte não devem ser confiadas a uma máquina. A opinião consensual foi a de que qualquer comandante que dê uma ordem direta para utilizar SAA numa missão deve ser responsabilizado pelas mortes ilícitas que daí possam resultar. Ainda mais importante, o sentimento de patriotismo é considerado um dos fatores mais cruciais num conflito armado. No entanto, segundo os participantes, dotar os algoritmos que gerem as armas autónomas de um código patriótico e imbuí-lo de um desejo de defender a pátria é algo difícil de imaginar, uma vez que não é possível programar estas plataformas não tripuladas com algoritmos patrióticos.

Palavras-chave

Sistemas de Armamento Autónomos; Veículos Terrestres Não Tripulados; Leis da Guerra; Ética Militar.

Autor(es) (*)

Avatar Janar Pekarev
 326 | 92
Cidadania e Segurança: Contributos para uma Estratégia Nacional de Segurança de Proximidade

Resumo

Atualmente já não é possível conceber políticas públicas, para terem efeitos sociais nas comunidades, sem ter por base um processo de produção de conhecimento científico fundamentado teoricamente e orientado para a ação, para que posteriormente a decisão política seja sustentada e mais adequada à realidade local. O objeto de estudo desta investigação centrou-se no dispositivo territorial da GNR afeto ao policiamento de proximidade e o método de investigação assentou no raciocínio indutivo, numa estratégia de investigação qualitativa e num estudo de caso. Foi possível verificar, através do levantamento das perceções dos Comandantes Territoriais e das entrevistas aos especialistas, que a proximidade em Portugal continua, no essencial, a consistir na implementação ad hoc de um conjunto de programas em detrimento de uma estratégia organizacional nacional e que não se antecipa a curto prazo, o reforço da participação cidadã na coprodução da segurança a nível local. Nesta investigação, demonstrou-se a necessidade urgente de concretização de uma estratégia nacional de segurança de proximidade, tendo sido possível identificar um conjunto de contributos que assentam na inexistência de uma ideia partilhada sobre segurança de proximidade que carece de ser estabelecida e sustentada politicamente, para que tenha eficácia e êxito junto das comunidades locais.

Palavras-chave

Cidadania; Segurança de Proximidade; Policiamento Proximidade; Participação cívica.

Autor(es) (*)

Avatar Nuno Miguel Parreira da Silva
 362 | 91

(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.