Revista de Ciências Militares - Vol. IV, N.º 1

Editorial

Prosseguindo a concretização do propósito de divulgação de trabalhos científicos relativos aos elementos nucleares das Ciências Militares – Segurança e Defesa, o presente número da Revista de Ciências Militares (RCM) constitui a primeira edição da mesma sob a égide do Instituto Universitário Militar (IUM), criado através do Decreto-Lei n.º 249/2015, de 28 de outubro, circunstância que se saúda e se considera ser um importante estímulo para o desenvolvimento deste impar e referencial processo editorial.

De realçar que, tal como sucede com a RCM, o processo de criação do IUM visou a “consolidação do conceito científico de ciências militares enquanto corpo organizado e sistematizado de conhecimentos, de natureza multidisciplinar, resultante da investigação científica e de práticas consolidadas, avaliadas e reconhecidas pela comunidade científica, relativo ao desenvolvimento das metodologias e processos de edificação e emprego de capacidades militares utilizadas na defesa, vigilância, controlo e segurança dos espaços sob soberania ou jurisdição nacional, na resposta a crises, conflitos e emergências complexas, em missões humanitárias e de paz, em apoio ao desenvolvimento e bem-estar, na cooperação e assistência militar, bem como na atividade de segurança interna”.

O número 1 do seu volume IV (Maio 2016), depois de ensaiado o modelo do dossiê temático, retoma a fórmula caleidoscópica apresentando um conjunto de artigos científicos de autores nacionais e estrangeiros (do Brasil e da Finlândia), os quais versam sobre as temáticas fundamentais das Ciências Militares.

Nesta perspetiva, o corrente número da RCM inclui oito artigos científicos que tratam as temáticas da Extensão da Plataforma Continental; da Revolta Árabe de 1936; do Emprego do Exército Brasileiro no Combate às Novas Ameaças; da Jurisdição e Lei Criminal Aplicável aos Militares Portugueses; do Espaço no Setor da Defesa em Portugal; do Comando e Controlo; das Implicações da Inteligência Emocional na Motivação; e da Política Externa Americana.

Estes artigos levam-nos a refletir: (i) o primeiro sobre o traçado das novas fronteiras marítimas que veio estimular as relações entre os Estados costeiros e causar situações de disputa que podem ameaçar a segurança marítima; (ii) o segundo sobre o ponto de vista da autoridade civil no debate entre a aproximação conciliadora vs. a coerciva durante a Revolta Árabe de 1936; (iii) o terceiro sobre o emprego do Exército Brasileiro no combate às novas ameaças, com ênfase na luta contra o tráfico de drogas; (iv) o quarto sobre a análise jurídica da forma de garantir o acesso a julgamento justo em Portugal e delimitar a lei aplicável ao uso da força para conferir certeza jurídica às regras de atuação dos militares das Forças Armadas portuguesas em missões de paz em território estrangeiro; (v) o quinto sobre a avaliação do nível de dependência que Portugal apresenta, no âmbito da Defesa, relativamente aos dados provenientes da capacidade espacial; (vi) o sexto sobre a Guerra Centrada em Redes, a Guerra Cibernética e suas consequências; (vii) o sétimo sobre o estudo das implicações da Inteligência Emocional na motivação dentro de uma organização de natureza militar; (viii) o oitavo sobre a Política Externa dos EUA e respetivos desafios geopolíticos para manter o estatuto de “Grande Potência”, condicionar a agenda internacional e determinar o passo dos acontecimentos internacionais.

O conjunto diversificado de textos que integra este número 1 do volume IV da RCM constitui um valioso acervo de trabalhos que concretiza o propósito de ampliar o saber na área específica das Ciências Militares, materializando, por isso mesmo, um precioso elemento de estudo para todos aqueles que trabalham e se interessam por estes temas.

A todos desejo uma profícua leitura.

Vice-almirante Edgar Marcos de Bastos Ribeiro

Comandante do IUM

Artigos

A Extensão da Plataforma Continental como Ameaça à Segurança Marítima: O Caso da Antártida

Resumo

A possibilidade de extensão da Plataforma Continental, conferida aos Estados costeiros, pelo Artigo 76.º da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (CNUDM), veio gerar novas disputas territoriais entre os Estados costeiros, com costas adjacentes ou frente a frente, e despertar as do passado. A motivação surge com o interesse de expansão territorial e dos direitos exclusivos de soberania sobre os potenciais recursos do leito e subsolo do mar. Por conseguinte, o traçado das novas fronteiras marítimas veio estimular as relações entre os Estados costeiros e, nas áreas onde existam reservas energéticas e sobreposição de interesses, causar situações de disputa que podem ameaçar a segurança marítima. Para confirmação das potenciais disputas, resultantes da possibilidade dos Estados costeiros estenderem a soberania na Plataforma Continental, estudou-se o caso da Antártida. Neste sentido, aplicou-se o método qualitativo na análise dos documentos estruturantes sobre esta matéria, tais como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os Comunicados submetidos pelos Estados, as Recomendações da Comissão de Limites da Plataforma Continental e as Declarações dos Estados, entre outros considerados relevantes. Com o presente estudo, conclui-se que a extensão da plataforma continental e a consequente definição de novas fronteiras marítimas beneficia, por um lado, os Estados costeiros, em virtude de lhes estender a soberania sobre os potenciais recursos existentes no leito e subsolo da plataforma continental e, por outro lado, pode causar disputas marítimas entre Estados costeiros onde exista sobreposição de interesses e, portanto, constituir uma ameaça à segurança marítima.

Palavras-chave

Extensão; Plataforma Continental; Ameaça; Disputas Marítimas; Segurança Marítima.

Autor(es) (*)

Avatar Rui Pedro Gomes Fernando da Silva Lampreia
 312 | 75
A Disputa entre duas Respostas Diferentes à Revolta Árabe de 1936

Resumo

O objetivo deste trabalho, baseado em pesquisa realizada em arquivos, em Londres e Jerusalém, é analisar o ponto de vista da autoridade civil no debate entre a abordagem conciliatória vs. coerciva, durante a revolta árabe na Palestina em 1936. A questão de pesquisa consiste em determinar por que razão a avaliação da situação feita pela autoridade civil foi tão diferente da efetuada pela autoridade militar, a ponto de ter polarizado as perspetivas sobre qual a resposta mais adequada à revolta. O artigo argumenta que a autoridade civil dispunha de melhor conhecimento da situação na Palestina do que os militares, motivando a defesa duma abordagem conciliatória oposta à linha coerciva favorecida pelos militares. O deteriorar da situação na Palestina não deve ser interpretado como uma falha da autoridade civil per se, mas sim como o resultado de uma situação com fatores políticos e humanos complexos, agravados, principalmente, pelo temor da população árabe da Palestina àcerca do seu destino. No final, é feita uma referência a um Médio Oriente contemporâneo, destacando a relevância da teoria do conflito social prolongado, de Edward Azar, uma vez que, pelo menos parcialmente, explica as causas da revolta na Palestina, bem como convulsões contemporâneas no mundo árabe.

Palavras-chave

Revolta Árabe, Mandato na Palestina, Cooperação civil-militar, Arthur Wauchope, Edward Azar.

Autor(es) (*)

Avatar Ari Kerkkanen
 345 | 77
O Emprego do Exército Brasileiro no Combate às Novas Ameaças, com Ênfase na Luta contra o Tráfico de Drogas

Resumo

Os militares de hoje em dia consideram como tarefas prioritárias de suas forças armadas a defesa do território, a ajuda humanitária e a participação em missões de paz. Não obstante, muitos deles já consideram de fundamental importância a luta contra as chamadas novas ameaças, tais como o terrorismo e o crime organizado, que se materializa, principalmente, no tráfico de drogas. Entende-se que essas novas ameaças passaram a comprometer a própria segurança dos Estados. O Brasil, após 1980, deixou de ser apenas um corredor de exportação e passou a ser, também, um grande consumidor de entorpecentes. Fruto disso, comunidades carentes, principalmente no Rio de Janeiro, foram dominadas por facções criminosas e os índices de violência aumentaram. Dentro desse quadro de violência social, desde o Governo Fernando Henrique Cardoso, o Exército Brasileiro tem sido utilizado em atividades de segurança pública, para combater, dentro outras ameaças, a questão das drogas. No entanto, o uso das Forças Armadas em operações dessa natureza gera muita discussão, não só no Brasil, mas no mundo todo. Assim, vê-se claramente que a problemática do tráfico de drogas no Brasil é uma fonte abundante para a investigação acadêmica. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo apresentar o emprego do Exército Brasileiro no combate às novas ameaças, com ênfase na luta contra o tráfico de drogas. Os instrumentos de pesquisa utilizados foram a pesquisa bibliográfica e a análise documental. Os resultados coletados indicam que o emprego do Exército Brasileiro tem sido positivo. O Governo Brasileiro tem procurado adequar o arcabouço jurídico brasileiro para empregar os militares das Forças Armadas. Além disso, o Exército Brasileiro tem procurado adequar o treinamento de suas tropas para a execução de missões do “tipo polícia” e tem procurado intensificar sua presença na faixa de fronteira, principalmente na região amazônica, palco de muitos crimes transfronteiriços.

Palavras-chave

Exército Brasileiro, Novas Ameaças, Tráfico de Drogas.

Autor(es) (*)

Avatar George Alberto Garcia de Oliveira
 327 | 83
Jurisdição e lei criminal aplicável aos militares portugueses por ilícitos praticados em missões de paz fora do território nacional

Resumo

Num contexto em que a participação nacional em missões internacionais, maxime, de paz, assume especial relevo para os interesses nacionais, a devida proteção jurídica dos militares não pode ser descurada. Assim, o presente artigo centrou-se na análise jurídica da forma de garantir o acesso a julgamento justo em Portugal e delimitar a lei aplicável ao uso da força para conferir certeza jurídica às regras de atuação dos militares das Forças Armadas portuguesas em missões de paz em território estrangeiro. A investigação levou à conclusão de que, para assegurar o acesso a um julgamento justo em Portugal dos militares das Forças Armadas em missão de paz no estrangeiro, o Estado português deve celebrar acordos sobre o estatuto das forças que incluam a regulação da jurisdição aplicável. O Estado português deve ainda aprovar uma lei flexível, mas suficientemente balizadora, que fixe os limites do uso da força em missões de paz, sem margem para dúvidas.

Palavras-chave

Direito das Operações Militares, missões de paz, jurisdição, legítima defesa, Regras de Empenhamento, uso da força.

Autor(es) (*)

Avatar Inês Isabel Vicente Caetano de Sousa Luís
 341 | 83
O Espaço no Setor da Defesa em Portugal

Resumo

O acesso a dados provenientes de plataformas espaciais assume, cada vez mais, um papel cimeiro no quotidiano da sociedade atual. Em Portugal, mais precisamente no setor da Defesa, a importância que este tipo de dados tem presentemente e que se perspetiva que tenha no futuro, não é diferente. Como tal, é de todo pertinente analisar a atual relação entre o Espaço e o setor da Defesa, nomeadamente, como se obtêm os dados e em que atividades estes são utilizados, assim como avaliar o grau de dependência em relação aos mesmos. O objetivo deste artigo consiste na avaliação do nível de dependência que Portugal apresenta, no âmbito da Defesa, relativamente aos dados provenientes da capacidade espacial. Este estudo baseou-se numa estratégia de investigação qualitativa, em que os principais instrumentos de observação e recolha de dados foram as entrevistas semiestruturadas e a análise documental de relatórios técnicos e governamentais, assim como de outros documentos oficiais e de obras de referência.

Palavras-chave

Defesa, Espaço, Capacidade Espacial, Operações Militares

Autor(es) (*)

Avatar Susana Marina da Conceição Pereira Abelho
 333 | 83
Considerações sobre Comando e Controlo

Resumo

Evoluções em sistemas de Comando e Controle (C2) impactam desde primórdios a “face da batalha”. A chamada “Guerra Centrada em Redes” e a “Guerra Cibernética” apresentam novas armas, atores e formas de combate, impondo desafios inéditos aos sistemas de defesa das nações. O estudo em tela, mediante pesquisa bibliográfica, apresenta diferentes definições e conceitos de C2 e analisa sua importância e evolução ao longo da história. Ao final, investiga-se a Guerra Centrada em Redes, a Guerra Cibernética e suas consequências.

Palavras-chave

Comando e Controle; Guerra Centrada em Redes; Guerra Cibernética.

Autor(es) (*)

Avatar Luiz Rogério Franco Goldoni
Avatar Rodrigo Damasceno Sales
 332 | 83
Implicações da Inteligência Emocional na Motivação. Uma Aplicação a uma Organização Castrense

Resumo

A motivação e inteligência emocional (IE) são conceitos que, demonstrados por diversas investigações e modelos teóricos, se interligam. Uma pessoa emocionalmente inteligente tem a capacidade de mobilizar todas as emoções necessárias para se motivar e transpor quaisquer obstáculos que se possam atravessar no seu caminho, quer intrínsecos ou extrínsecos, até alcançar o seu (s) objectivo (s). Estas noções podem ser aplicadas em qualquer tipo de molde, seja organizacional ou pessoal. Pela importância que o bem-estar das pessoas tem, a presente investigação propôs-se a estudar as Implicações da Inteligência Emocional na Motivação dentro de uma organização de natureza militar. Este estudo envolveu cerca de 355 participantes militares de um universo que de acordo com o Relatório de Gestão de 2013, composto por 7314 militares de todo o ramo da Força Aérea, possibilitando assim o avanço do estudo supramencionado. Paralelamente à constatação das implicações da IE na motivação, foi também estudado o grau de associabilidade de certas variáveis sociodemográficas com o impacto da IE na motivação. Sendo o ser humano por natureza social, é mais do que necessário que este se saiba regular emocionalmente e consequentemente motivar-se a si próprio quando necessário.

Palavras-chave

Inteligência emocional, motivação.

Autor(es) (*)

Avatar Álvaro de Borba Cruz Lopes Dias
Avatar João Tiago Conceição Silva Marques Gil
 340 | 78
A Política Externa Americana: Os dois Mandatos de Barack Obama

Resumo

Como se de uma lei natural se tratasse, em cada século emerge um país, um grupo de países ou uma região, com o poder, a vontade e o ímpeto intelectual e moral para moldar o sistema internacional no campo da defesa e da segurança e de acordo com os seus próprios valores. Os EUA são definitivamente esse país. Assim, perante um mundo em mudança, onde acontecimentos com grande impacto parecem ser a marca que caracteriza o primeiro quartel deste século, olhar com mais atenção para a Política Externa e respectivos desafios geopolíticos de um dos poucos Estados que, no nosso entender, ainda mantém o estatuto de “Grande Potência” parece-nos essencial, já que se trata de um país que continua a condicionar a agenda internacional e a determinar o passo dos acontecimentos internacionais.

Palavras-chave

Política Externa, EUA, Partido Democrata, Segurança, Defesa, Globalização

Autor(es) (*)

Avatar Ruth Elisa Correia da Fonseca da Costa Deus
 339 | 82

(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.