Editorial
O presente número da Revista de Ciências Militares (RCM), e a sua versão equipolente em inglês, Portuguese Journal of Military Sciences, corresponde ao segundo e último número de 2025 e assinala o 10.º aniversário do Instituto Universitário Militar. Reúnem-se nesta publicação seis estudos dedicados a temáticas das Ciências Militares, da Segurança e da Defesa.
O primeiro estudo analisa a aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário (DIH) à condução de hostilidades no Espaço, face à ausência de um regime jurídico específico para este domínio.
No segundo artigo é realizada uma revisão sistemática da literatura sobre o conceito de prontidão no contexto da Defesa, com o objetivo de compreender o seu significado, as suas inter-relações com outros temas e propor uma definição operacional.
O terceiro estudo aprofunda o conhecimento da perceção dos médicos militares portugueses sobre a atratividade e o apoio das Forças Armadas, e a sua intenção de turnover, bem como das práticas de gestão de pessoas 4.0 por eles mais valorizadas.
O quarto estudo caracteriza o terrorismo de ator solitário — um fenómeno protagonizado por indivíduos não afiliados a grupos organizados — e analisa o seu impacto no sentimento de insegurança.
No quinto estudo realiza-se uma análise descritiva das capacidades logísticas envolvidas no desastre climático ocorrido no sul do Brasil em 2024, através de um estudo de caso estruturado.
O sexto e último estudo analisa a relevância estratégico-militar do espaço de soberania português no contexto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Europeia (UE).
Com este número comemorativo do 10.º aniversário do Instituto Universitário Militar, encerra-se a publicação científica do ano 2025. Ao longo dos dois números publicados neste ano, que compõem o Volume XIII, a Revista de Ciências Militares apresentou um total de dez artigos. Expresso o meu reconhecimento aos autores, revisores e colaboradores, cuja dedicação e rigor científico tornaram possível esta publicação, que reúne estudos de reconhecida relevância no domínio das Ciências Militares. Formulo, igualmente, votos de uma leitura proveitosa e inspiradora a todos os nossos leitores.
O Comandante do IUM
José António Vizinha Mirones
Vice-Almirante
Artigos
Shots in the dark: proporcionalidade, distinção e licitude nos ataques no espaço exterior, em situação de conflito armado
Resumo
Este estudo analisa como o Direito Internacional Humanitário é aplicável à condução de hostilidades no Espaço, na falta de um corpo de normas jurídicas especificamente adaptadas à condução de hostilidades no Espaço.
Os critérios-chave são os princípios da distinção, proporcionalidade e precauções. A extensão das hostilidades entre Estados para o domínio espacial, em caso de conflito armado aberto, parece um inevitável passo, dada a crescente dependência do poder militar dos Estados das suas capacidades espaciais – sobretudo dos tecnologicamente mais avançados.
Metodologicamente, adota-se uma abordagem jurídicodogmática, qualitativa e assente na análise sistemática das fontes de Direito relevantes. Os resultados do estudo indicam que os ataques a objetos espaciais, incluindo os de utilização dupla, são, em princípio, admissíveis desde que cumpram os critérios-chave do Direito Internacional Humanitário.
A distinção entre alvos militares legítimos enfrenta desafios particulares no Espaço. A aplicação do princípio da proporcionalidade é especialmente complexa, dada a dificuldade em prever danos colaterais, contudo a previsibilidade exigida continua ancorada em exigências de razoabilidade e boa-fé.
A adoção das precauções que sejam razoáveis e praticáveis é indispensável para assegurar o cumprimento dos requisitos de licitude. O estudo propõe, no fim e de modo sistematizado, linhas interpretativas para orientar a tomada de decisões neste novo domínio de conflitualidade.
Palavras-chave
Direito Internacional Humanitário; Espaço Exterior; Conflito Armado; Objetivos Militares; Proporcionalidade.Autor(es) (*)
Prontidão militar: debates e definições
Resumo
O presente artigo tem por objetivo conduzir uma revisão de literatura sobre o tema da “prontidão”, buscando entender o seu conceito e o seu relacionamento com outros assuntos de defesa e destacando as principais questões envolvidas, a fim de propor operacionalmente um conceito de prontidão.
Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura, de forma sistematizada. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa de carácter exploratório. O principal resultado foi a apresentação de uma proposta de conceito de prontidão: um estado em que uma forca militar encontra-se com todas as capacidades necessárias para ser desdobrada em um prazo previamente estipulado, a fim de desempenhar as atividades e tarefas para as quais foi originalmente constituída e cumprir, com seus recursos orgânicos, as missões que lhe sejam designadas.
A prontidão e aqui apresentada como um estado, uma condição de momento, caracterizado por um equilíbrio instável mantido a um custo, para não ser degradada. O artigo se estrutura em introdução, metodologia, referencial teórico e conceptual, no qual se revisita os conceitos de prontidão, discussão de resultados, onde se apresenta e explica a proposta do conceito, apresentam-se classificações, modos de mensuração e custos de oportunidade. Por fim, há uma conclusão com recomendações de pesquisa.
Palavras-chave
Prontidão; mensuração; custos de oportunidade.Autor(es) (*)
Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon
Retenção de médicos militares nas forças armadas portuguesas: Perceções de atratividade, apoio organizacional e práticas de gestão de pessoas 4.0
Resumo
A dificuldade de retenção nas Forças Armadas (FA), especialmente de militares altamente treinados e especializados, entre os quais, médicos militares, provoca um elevado turnover e uma crescente falta destes efetivos, que é preocupante em Portugal.
Esta investigação, ancorada num raciocínio indutivo, associado a uma estratégia de investigação mista, pretendeu aprofundar o conhecimento da perceção que os médicos militares portugueses têm sobre a atratividade e o apoio das FA, e a sua intenção de turnover (IT), bem como das práticas de gestão de pessoas 4.0 (PGP4.0) por eles mais valorizadas, com intuito de identificar linhas de orientação estratégica (LOE) potencialmente mitigadoras do problema da retenção destes high value assets.
Numa amostra de 60% do universo dos médicos militares, observou-se que as FA são marginalmente atrativas, revelando-se mesmo pouco atrativas na dimensão dos benefícios e recompensas. A perceção de apoio que estes oficiais têm da organização é baixa, mas, ainda assim, a sua IT tende a ser globalmente baixa.
Conclui-se, ainda, que as PGP4. 0 mais valorizadas estão generalizada e inversamente, alinhadas com as áreas que estes oficiais consideram mais deficitárias da atratividade e do apoio organizacional. Neste âmbito, foram propostas LOE, que após validação e análise, permitiram identificar contributos de employer branding interno para melhoria da retenção dos médicos militares.
Palavras-chave
Atratividade organizacional; employer branding; intenção de turnover; médicos militares; perceção de apoio organizacional; práticas de gestão de pessoas.Autor(es) (*)
Cristina Paula de Almeida Fachada
Nuno Alberto Rodrigues Santos Loureiro
Terrorismo de ator solitário: padrões, tendências e reflexão sobre o impacto no sentimento de (in) segurança
Resumo
Esta análise teórico-empírica tem por objetivo caracterizar o terrorismo de ator solitário, um fenómeno protagonizado por indivíduos não afiliados a grupos organizados, e refletir sobre o seu impacto no sentimento de insegurança.
A metodologia combina revisão crítica da literatura com uma análise de dados sobre ataques levados a cabo por indivíduos não afiliados a qualquer organização terrorista, considerando frequência, modus operandi, letalidade, alvos e distribuição geográfica. Os dados, extraídos da Global Terrorism Database (GTD), dizem respeito ao período 1997-2020.
Os resultados indicam que o terrorismo não-afiliado representa 0,5% do total dos ataques perpetrados, com um aumento nos últimos anos, principalmente em países ocidentais. Apesar da sua baixa prevalência, a imprevisibilidade e a elevada cobertura mediática potenciam o impacto psicológico e social deste fenómeno, contribuindo para um sentimento de insegurança desproporcional à ameaça real. As conclusões apontam para a necessidade de estratégias preventivas integradas que incluam a promoção da coesão social, a literacia mediática e a monitorização da radicalização individual.
Este estudo contribui para aprofundar o conhecimento acerca da relação entre terrorismo descentralizado e perceções públicas de insegurança, oferecendo insights valiosos para o desenho e a implementação de políticas públicas mais eficazes e para futuras investigações sobre o tema.
Palavras-chave
Terrorismo; terrorismo de ator solitário; terrorismo não-afiliado; sentimento de insegurança; Global Terrorism Database.Autor(es) (*)
O Emprego da Logística Militar no Contexto de Desastres
Resumo
O desastre climático ocorrido no Rio Grande do Sul, em 2024, configurou-se como o mais impactante já registrado no Brasil, sem precedentes quanto à sua magnitude e abrangência.
A complexidade da crise exigiu uma operação de socorro ao Estado atingido de dimensões inéditas por parte dos órgãos públicos, ressaltando o papel estratégico da logística na mitigação dos efeitos de desastres naturais. Este artigo tem como objetivo analisar as capacidades logísticas mobilizadas e empregadas no desastre climático ocorrido no sul do país, por meio de estudo de caso estruturado com base na ferramenta DOTMLPF-P, direcionado à análise dos meios logísticos militares.
A análise revelou uma resposta articulada por parte do Estado, envolvendo múltiplos atores e recursos, caracterizada por ações coordenadas e multidisciplinares, evidenciando integração interagências e estruturação de operações em cenários de emergência.
Palavras-chave
Logística militar; desastres naturais; capacidades estatais; DOTMLPF-P.Autor(es) (*)
Contributos Estratégicos para a Relevância do Espaço de Soberania Português no Quadro da OTAN e da EU.
Resumo
O presente trabalho analisa a relevância estratégico-militar do espaço de soberania português, em particular, para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e para a União Europeia (UE).
A metodologia de investigação incluiu os seguintes processos e técnicas: abordagem dedutiva, metodologia qualitativa e estudo de caso. Os dados foram recolhidos através da análise documental e entrevistas, recorrendo-se a ferramentas de análise estratégica para o seu tratamento.
Dos resultados obtidos releva o contributo do espaço de soberania português para a mitigação das principais ameaças para a OTAN e UE, através das seguintes funcionalidades: vigilância e monitorização do Atlântico; enablement e mobilidade militar; profundidade estratégica e envolvimento nacional; combate às ameaças híbridas; promoção da resiliência; combate ao terrorismo e crime organizado; e mitigação das alterações climáticas.
Da análise da estratégia militar nacional neste âmbito, resulta a sua adequabilidade geral quanto aos fins, aceitabilidade quanto aos métodos, mas insuficiência de meios quanto à exequibilidade. Os principais contributos estratégico-militares para uma maior relevância do espaço de soberania português envolvem: reforço e modernização da Forças Armadas; reforço da presença e vigilância no Atlântico; desenvolvimento e requalificação de infraestruturas estratégicas; ciberdefesa e resiliência contra ameaças híbridas; e participação ativa em missões, projetos e cooperação internacional.
Palavras-chave
Espaço de Soberania Português; Estratégia Militar Portuguesa; Forças Armadas Portuguesas; Relevância Estratégica; Segurança Euro-atlântica.Autor(es) (*)
(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.